17 nov 2011



Por baixo de trajes rasgados e de pele suja de asfalto respira em mim um resto mortal de poeta,... um resto de poesia que cheira bem.... Não poesia burguesa contaminada e bossal.... Mas poesia de sentimento humano de contato e encontro.... Poesia de sol que nasce e dissipa a fumaça que pinta o ar de destruição.... Poesia que ainda respira e se alimenta de minhas entranhas.... Oh mulher do salto que passa por meu asfalto.... Se apenas eu pudesse beber o teu cheiro me banhar no teu olhar alto de horizonte,... se pudesse ao menos ser o teu asfalto quando passas,... ou ao menos a linha do teu horizonte que delineia os teus olhos e faz obra de arte em tuas pupilas.... Mas sou apenas o intervalo de fechar dos teus olhos.... Sou o cílio perdido em tua face.... Sou a propaganda não lida e repetida de cada esquina.... Sou a notícia de baixo do jornal,... a nota de roda pé.... Os ignorados classificados.... Queria apenas romper o paradigma que nos separa,... queria só fazer minha voz tocá-la.... Oh mulher do salto deixa minha boca de fome comer os teus lábios de vermelho pintados.... Oh mulher do salto não deixa tua beleza me destruir,... e tua carroceria imperial pisotear-me.... Abandona esse colar de pérola e esse vestido de cetim.... Se iguale a mim.... Faz com que teus pés de neve toquem a imundice do meu asfalto.... Olha na sinceridade do meu resto de olhar e encontra a verdade que me sustenta.... Deixa essa verdade penetrar em tua fortaleza.... Deixa-me desnudar tua mente e teu caráter e na tua real face dizer o que sinto.... Só assim eu poderei ter alegria de viver e esperança de sobreviver.... Não quebrarei tua pele de cristal com a arrogância de minha pele áspera.... Eu quero apenas o teu amor e tua compreensão.... Eu quero sentir tua respiração e misturá-la a minha.... Eu quero me perder tentando te descobrir e não permitir que você saia de minha mente caso tente entrar.... Quero oferecer meu coração não como sacrifício,... mas como redenção.... A redenção do nosso amor.... Oh dona do salto porque me desprezas por minha condição.... Porque vives a espera de um amor escolhido.... Não tenho dinheiro nem anel de formatura.... Talvez nem tenha casa.... Mas tenho abrigo aqui no meu coração.... Tenho alívio.... Tenho paixão e amor que não acaba jamais.... Tenho a calçada por onde passas.... Mas que se preferir não volte.... Dê-me ao menos sua pena.... Dê-me apenas o seu esquecimento.... Não me tortures assim.... Não rasgue meu coração com a ponta do seu salto.... Ficarei com a lembrança apenas do dia que me olhaste.... Que risse para mim.... Você me dedicou segundos de sua atenção e foi o suficiente para eu sentir uma explosão em mim que formou um universo paralelo ao meu e as margens do teu.... Será sempre assim você em sua torre de babel e eu esmolando tua atenção com meu amor e minha poesia marginal.... Ao menos que decidas mudar de rua ou de calçada.... Assim eu não precisarei me esconder aqui em baixo do asfalto.... Sim,...eu morrerei de desgosto.... Mas morrerei de uma só vez e me livrarei de martírio que é morrer aos poucos por amar-te.... Não te vejo mais aqui do asfalto.... Acho que já cruzou a esquina e sinto que não voltará mais.... Não passe por minha calçada.... Se é que ela é minha.... Não passe por essa rua,... eu sei, ela não é minha.... A lua não é minha,... as estrelas não são minhas.... Você não é e nunca será minha.... A poesia sim,... essa poesia de asfalto sim é e sempre será minha...